O ônibus que parece mais do que costumava ser. Um japonês sentado na janela, cabelos lisos que lhe caíam sobre o rosto que se ligava a um pescoço que já tinha desistido de ficar reto. Dormia. Não era confortável, a cabeça balançava. Tomei á mão O Rei da Vela, abri e comecei com os pensamentos odiosos aos capitalistas e a cabeça do pobre garoto continuava lá, pendurada. No livro ainda eu notava que era desconfortável. Tive vontade, de verdade, de dizer "Ei, encosta aqui no meu ombro. Eu entendo teu cansaço e sei que não te conheço, nem faria questão em outra situação, mas você parece desconfortável".
E ele desceu e eu fui pra janela. Fones no ouvido porque afinal, o silêncio é um fardo pesado demais pra ser carregado. Perdida no sono das linhas que já ficavam confusas; fechei o livro e adeus, Oswald. Encostei a cabeça na janela e encontrei o sono que o garoto tinha abandonado lá. De repente ela veio, baixa até, deu "oi" pros meus tímpanos e atingiu minha memória acelerando o olhar que piscou assustado, lagrimas chegando. Passado ao ouvido.
Notei que sinto mais saudade dele do que eu achava que sentia. Chorei pelo passado que passou á três anos e que a três anos achei que tinha esquecido. Surpresa, eu não abandonei aquilo lá atrás. A gente guarda dentro da gente mas coisas do que imagina. Duas lágrimas conseguiram cair, as outras ficaram. Sorriso, não lamentoso, mas sentido, esboçou-se no rosto. A gente não se perde nem quando acha que se perdeu. Mas se você não consegue se encontrar numa lembrança, você não consegue se encontrar.
Tá tudo aí, menina, é só se organizar.
dela e dele.
Sempre foi por uma ideologia, de vida;de filosofia, quem sabe.
De repente eram só músicas. Quem sabe. Quem sabe não era só pela adoração á solidão. Aquela solidão que ninguém entendia exceto ele. E ela. Não por ela, entende? Pela semelhança, significado da coincidência ou o raio-que-o-parta.
Questão de jogo, de atitude. Talvez fosse um milímetro a mais no pescoço erguido, questão de postura. Graciosidade que ela ganhava no sorriso rígido que dava ao cobrador quando entrava no ônibus. Detalhe do pescoço longo que virava pra janela e olhava pro horizonte quando o ônibus passava por aquele determinado lugar. Estranho.
Um fone dela não funcionava e isso a emputecia. E ele entendia isso. Vê? Só questão de opinião.
Para ambos, quando o sol se deita, majestosamente, na janela do lado direito do ônibus, todos deveriam assistir. Talvez até chorar. Ideologia. Pra uma viagem de ônibus ser perfeita, os dois fones deve, mesmo, funcionar.
Não sei se eles se conhecem, sinceramente. Mas sei que são duas figuras, apaixonadas pelos traços de estilo de caminho que um tem em relação ao outro. Sei disso.
Sei que um dia ela se muda. E já não pega mais o mesmo ônibus. Eles se encontram novamente, de raspão, naquela praça movimentada indo pra estação de trem. Na estação, cada um tem um destino. Ela vai sentido Rio Grande da Serra, ele vai sentido leste, ou sul,
vai para lá. Para o outro lado do mundo. 
Porém eles não vão se importar porque nunca acreditaram em ideologias, e é assim normal (quase que comum-barra-corriqueiro) esse pedaço de solidão que carregam no peito no peito.
E na não-crença um carrega o outro. Eu acho.
É, com certeza sim.
Um carrega o outro.